segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Marina de Porto Santo, Marina de Porto Santo. Aqui veleiro Deep Blue. Escuto!

Nota do editor: O texto é muito extenso mas merece ser lido até ao fim!
(Todos os direitos reservados. Qualquer cópia ou reprodução parcial ou total do texto e fotos abaixo necessita de autorização do signatário).


VIAGEM NO “DEEP BLUE”- SINES A PORTO SANTO(MADEIRA)

6 OUT. A 12 OUT. 2009

DIÁRIO DE BORDO

Veleiro: DEEP BLUE 28,5pés/9m Construtor:PEARSON (EUA)
Modelo: Pearson Triton Ano constr.: 1962

Velame: Principal, Genôa, Jib, Balão


Motor: 17cv/ 2 cilindros
Energia eléct: baterias de 12 volts
Sistema de navegação automático: Wind Pilot; Piloto Automático portátil
Equipamentos: VHF; GPS pequeno fixo; Sonda com indicação de vel. de superfície;
Receptor de HF; Receptor AIS;
Agulha; Relógio de bordo; Barómetro.

Captain: Phil Prosser


06 Out 2009

Largámos da marina de Sines às 12:45 locais.
Mal saímos do porto de abrigo, o vento Sul criava ondulação inconstante de período alto, fazendo que eu levasse com algumas batidas de água quando à proa ainda estava a enrolar as amarras.
Face às condições de vento, soprando de Sul, rumámos a Oeste e sempre com ondulação constante e vaga de 1,5 a 2,5 mt, mantivemos esta direcção durante o resto do dia com a vela principal e a jib, pequena vela da proa.
Definidos os quartos de vigia pelo Phil, vamos fazer 6, 4, 2, ou seja, enquanto um está de vigia 6 horas, o outro descansa. Passadas as primeiras 6 horas, aquele vai descansar as 6 horas seguintes. Passadas as segundas 6 horas, o que está de vigia vai descansar as próximas 4 horas e assim sucessivamente, passando a 2 horas até completar o ciclo das 24 horas. Para uma tripulação de duas pessoas, esta parece ser o melhor esquema de quartos que permite um descanso mais efectivo ao longo do dia.
As condições de mar pareciam cada vez piores, como se estivéssemos a ir de encontro à tempestade. O vento não era forte, entre força 3 e 4, mas a ondulação era tremenda.
A nossa velocidade verdadeira andava entre os 3,8 e os 4.5 nós, com a vela pequena de proa desfraldada e a principal risada cerca de 2/3.
O sistema Wind Pilot fazia a navegação do Deep Blue enquanto mantínhamos a proa a Oeste, com o vento continuando a soprar dos quadrantes Sul.
O primeiro quarto de vigia fez o Phil, iniciando às 20h TMG (21 locais) enquanto eu fui tentar dormir as minhas 6 horas, pois entraria de vigia às 02h TMG.


O Deep Blue não tem radar, nem plotter, nem Navtex, nem computador, nem telefone satélite, nem indicador electrónico de vento, …nem gerador eléctrico (apenas um pequeno painel solar), nem chuveiro, nem frigorífico. Para a navegação, apenas temos uma sonda com indicação da velocidade de superfície e que pode apresentar alguns totais e médias, tais como milhas navegadas com base na velocidade de superfície. Tem também um GPS que, no fim de contas, é o único equipamento que o Phil usa para navegar. Cartas oceânicas, apenas uma carta de escala muito pequena e a carta do arquipélago da Madeira, sendo as marcações de posição e derrotas feitas em folhas próprias do tipo “plotting sheets”.
Este GPS, modelo pequeno alimentado pela bateria da embarcação, dá-nos a velocidade verdadeira instantânea, o rumo instantâneo que levamos, o rumo a tomar para o ponto de destino ou waypoint previamente inserido e que será o rumo que devemos ter para, a partir daquele momento, atingirmos o pretendido (serve apenas de indicação e para podermos ver no GPS que afastamento em milhas temos entre o ponto em que estamos e o rumo pretendido). O GPS dá-nos também a hora UTC, dá-nos as milhas que faltam para o próximo destino, e dá-nos a nossa posição instantânea ao milésimo do minuto.
Temos ainda a bordo uma bússola magnética, barómetro e o sistema AIS que é um equipamento receptor que nos dará um aviso sonoro quando algum navio equipado com o sistema emissor AIS esteja a aproximar-se a partir de certa distância, bem como algumas informações sobre essa embarcação, tais como nome, coordenadas, rumo que segue e algumas dados mais. Claro que, actualmente, apenas embarcações profissionais e com tonelagem superior a 500 ton são obrigadas a tê-lo. Assim, a maioria das embarcações de pesca e todos as embarcações de recreio não são reconhecidas por este sistema.
O AIS instalado pode cobrir até cerca de 7 ou 8 milhas. Só que o AIS instalado no Deep Blue, devido a problemas de antena ou outra causa, apenas sinaliza um navio equipado com este sistema quando este já está muito próximo, ou seja, aí a uma ou duas milhas do nosso, o que é muito pouco se tivermos de manobrar por segurança. Quando chegar a terra, irei ver o que se passa e tentarei resolver o problema, uma vez que a navegar tal é impossível porque não temos um ferro de soldar para 12 volts, única alimentação eléctrica a bordo, nem a permanente oscilação permite efectuar qualquer intervenção mais delicada.
Assim, sem radar e sem mais nenhum equipamento que nos permita ver navios que se aproximem, para além deste AIS que só funciona quando a coisa pode já estar preta, apenas nos resta a solução de mantermo-nos sempre atentos ao horizonte e, ao avistarmos uma embarcação, tentar perceber qual o seu rumo e tomar as medidas adequadas de segurança caso nos pareça em rumo de colisão. Cedo me apercebi que devíamos estar a navegar nalgum corredor de tráfego marítimo, e como não tínhamos carta oceânica para o definir, apenas o avistamento de diversas embarcações de grande tonelagem assim o indicava. Nesta primeira noite a navegar não eram apenas as ondas negras fantasmagóricas e o abanar constante do Deep Blue que me assustava, mas também a visão de luzes de embarcações no horizonte, pois algumas vezes e por precaução tivemos de meter motor para ajudar a desviarmo-nos de algumas que nos parecia virem em rumo de colisão. Quando, pela observação visual o azimute se mantinha e parecia estarmos em rumo de colisão, o Phil chamava a embarcação pelo VHF dando as nossas coordenadas como forma de alerta, e não havendo resposta, a precaução obrigou-nos a tomarmos a decisão de, por duas vezes, afastarmo-nos do rumo seguido até termos a certeza de que já não havia perigo.
Para a minha primeira experiência num veleiro em alto mar, devo dizer que não me foi agradável embora não tenha tido medo, pois vi que o Phil sabe da coisa.
Ao subir rapidamente para evitar o quase imediato enjoo que apenas alguns segundos de permanência no interior da embarcação, de pé, me assaltava, verifiquei que ainda não estava totalmente refeito do controlo das mãos, ou melhor, dos dedinhos. É que talvez devido ao frio nas mãos e ao esforço natural de quem não está habituado a estas coisas e segura-se a tudo com uma força extra para não cair, os dedos ficavam muitas vezes ora hirtos ora dobrados, só saindo dessa posição com ajuda forçada.

Antes das 20h, o Phil fez o jantar. Foi-me por ele explicado que antes de ter demandado de sua casa, talvez há mais de 9 meses, terá cozinhado vários alimentos que dividiu em doses individuais e colocou cada uma delas em sacos de plástico. Depois, em cada embalagem, terá usado uma bomba de vácuo em simultâneo com a congelação num frigorífico o que, com a ajuda de uma luz ultra-violeta, permitiu obter como resultado final uma embalagem de comida liofilizada e em vácuo, o que será adequado para manter um prazo de validade suficientemente grande para toda a sua viagem até regressar de novo a sua casa, talvez um ano e meio depois. Solução económica para a não existência de frigorífico a bordo. Foi de uma destas embalagens de comida pré-cozinhada, liofilizada e em vácuo “USA home made”, que retirou para um púcaro largo o pretenso jantar, o qual foi desfeito com a ajuda de um pouco de água adicionada. Enquanto isso, numa pequena panela de pressão fez um pouco de arroz branco, que adicionado ao anterior e remexido, permitiu um leve aquecimento. Uma mistela de grão, milho e bocados de galinha misturados com arroz branco acabado de fazer seria a primeira refeição “quente” do dia. A mistela foi servida num púcaro de alumínio.
Acontece que eu já anteriormente tinha vomitado umas duas ou três vezes, e então quando descia à cabine, o enjoo era quase instantâneo. O Phil também vomitou uma vez, o que me mostrou que afinal não era só eu, mas o mar a tal obrigava, o que me reconfortou um pouco ainda por cima verificando que não teria sido por sugestão, pois ele não tinha reparado que eu já tinha vomitado uma vez antes.
Claro que após ter comido parte daquela mistela “made in USA, Colorado”, o vómito veio de novo e o pouco da refeição foi borda fora.
Então, lá pelas 20h e após o Phil ter feito a primeira marcação de posição, rumo, velocidade, fui deitar-me o mais rápido possível, pois na cabine cada segundo em pé leváva-me ao enjoo. Portanto, rápido aprendi que devo permanecer em pé na cabine o mínimo tempo possível.
Passadas assim as primeiras horas do primeiro dia de viagem, o Phil chamou-me para o meu primeiro quarto de vigia de 6 horas.
As minhas primeiras 6 horas de vigia foram soberbas. Chegadas as 02h TMG da madrugada e após ter tentado dormir das 20 às 02h, o que quase não consegui pois o mar forte a bater, o barco em grande oscilação e o stress destas primeiras horas de navegação não me permitindo o relaxe que seria desejado, foi a vez de vir para o meu primeiro quarto de vigia e o Phil ir dormir as suas 6 merecidas horas.




07 Out 2009

O forte e permanente baloiçar do Deep Blue levava-me, por falta de experiência e por ser a primeira vez que me encontrava na posição horizontal, a tentar manter uma posição estável o que obrigava a permanentes equilíbrios de força com os braços, mãos e pernas, como que evitando ser baldeado da cama para o chão, e assim quase sem ter dormido, o Phil chamou-me às 02h para o meu primeiro quarto de vigia.
Se, durante todo o dia, o mar parecia alteroso e forte, quando me dei sozinho olhando o horizonte à noite, as nuvens pareciam tenebrosas e as vagas medonhas. Parecia que íamos cada vez mais a caminhar para a tempestade.
Avistei de vez em quando as luzes de navios em rota, e os meus olhos fixavam-se nessas luzes tentando perceber qual o rumo que levavam e se poderíamos estar em rumo de colisão.
Cedo nos tínhamos apercebido que o sistema AIS de nada servia, pois seria suposto sinalizar qualquer embarcação equipada com este sistema a cerca de 8 milhas, o que não acontecia. Mais tarde verificámos que apenas começávamos a ter sinalização sonora quando o navio já estivesse muito perto, cerca de uma ou duas milhas do nosso, o que era manifestamente insuficiente para que o Deep Blue pudesse efectuar sem percalços qualquer manobra de segurança, pois navegando a cerca de 4 nós e os navios comerciais a velocidades 6 ou 7 vezes superior e ainda a necessidade de manobrarmos velas para mudança de proa, o tempo de manobra àquela distância era muito apertado e o perigo de colisão tornar-se-ia grande. Assim, mais atenção se impunha, ainda por cima sendo eu inexperiente nessa coisa de reconhecer qual o rumo da outra embarcação.
Várias vezes estive para acordar o Phil, mas lá me fui apercebendo que as situações não apresentavam perigo. Claro que sabia perfeitamente, pelos estudos teóricos, que tirando azimutes a intervalos de tempo certos, facilmente determinava se estávamos em rumo de colisão. Só que uma coisa é a teoria a navegar numa mesa, outra bem diferente é quando estamos em alto mar com as vagas a fazer perder o ponto para marcar o azimute e com uma agulha de marcar que não tem iluminação, para além do constante baloiçar da embarcação e com a proa em permanente variação. E quanto a ver as luzes de navegação, verde a estibordo e vermelha a bombordo, tal só seria avistado quando o navio já estivesse bem perto. Assim, fui adquirindo aos poucos a prática de determinar o rumo aproximado que os outros navios tinham apenas recorrendo ao visual que a noite permitia.
Mas para além disso, o mar parecia estar cada vez pior e várias vezes vieram bátegas de água por cima da minúscula cabine onde eu estava de posto de comando, com o Phil a dormir logo abaixo. Várias vezes disse mal da minha vida por estar ali, numa casca de amendoim com o nome de Deep Blue, sem radar nem meios de comunicação HF, pois este a bordo apenas é receptor, e se funcionar. Apenas o VHF que tem um curto alcance, cerca de 25 milhas, o que de nada serve em alto mar a não ser se houver alguma embarcação por perto que eventualmente viesse a escutar algum pedido de socorro.
Assim, à medida que a noite ia avançando, também eu ia ficando mais receoso com a capacidade do Deep Blue aguentar aquele mar que metia medo, pois as vagas pareciam-me agora ter 4 ou 5 metros e além disso não sabia se estávamos ou não a ir ao encontro de alguma forte tempestade. Duas coisas me punham com receio. Uma era o facto de ter compreendido que o Phil não tinha quaisquer dados quanto a previsão das condições meteorológicas e de mar na nossa rota oceânica, pois apenas tinha as folhas que eu tinha printado na véspera de sairmos, dia 5, com as previsões nas zonas da costa para Sines, Sagres e Porto Santo, mas estas são previsões apenas de costa e já com dois dias de diferença. Estas previsões tinham sido obtidas do WindGuru apenas para meu exercício, nunca pensando que o Phil não teria outras mais credíveis para a navegação oceânica, pois a bordo não existe nenhum equipamento de obtenção de condições meteorológicas em rota, nem sequer de recepção de avisos à navegação relativos a meteorologia, como por exemplo o Navtex. Assim, não fazia a menor ideia se estávamos ou não a ir de encontro a alguma tempestade ou a afastarmo-nos dela, e apenas teria de confiar na experiência que o Phil deve ter e que eu ainda não tinha provas que me dessem a confiança necessária para ficar descansado. Ainda me apercebi, ao longo da viagem, que por vezes eram feitas chamadas gerais no canal 16 do VHF para avisos à navegação, mas as raras vezes que o percebi, o sinal era tão fraco que não dava para perceber nada da comunicação.
O outro motivo de receio era o não saber até que ponto aquela casca de noz aguentava mar sem partir, ou seja, sem que pudesse estar em perigo a robustez ou navegabilidade do Deep Blue face ao mar que a mim, na escuridão oceânica, me parecia cada vez mais forte. Apenas tinha a indicação do Phil de que a embarcação não deve andar acima dos 4,5 ou 5 nós, para que houvesse segurança e não fosse ocorrer alguma anomalia.
Como os ventos continuavam dos quadrantes Sul, nós continuávamos em rota para Oeste como única forma de avançarmos à vela, pois o motor é mesmo só auxiliar, de fraca potência e o combustível era também diminuto.
Assim, em vez de estarmos a caminho da Madeira, íamos a navegar no paralelo para dentro do Oceano Atlântico à espera que o vento mudasse permitindo então rumar ao nosso destino, e se tal não viesse a acontecer em breve, então só nos restava fazer bordo para ESE.
E foi neste estado de espírito, em que por várias vezes dei comigo a pensar porque raio eu estava ali quando podia muito bem estar tranquilamente na minha casinha de Sines, que decidi acordar o Phil com o pretexto de que me preocupava o avistar uma embarcação cada vez mais próxima e aproveitando a oportunidade para lhe perguntar se aquilo era mar para não termos preocupações face ao Deep Blue.
O Phil, no seu taciturno e de poucas palavras sujeito, após alguns momentos olhando a escuridão, lá me disse que o mar não era nada demais e a outra embarcação não apresentava perigo. Fiquei um pouco mais descansado. Eram aí umas 5 da manhã quando o acordei, tendo voltado a deitar-se lá para as 7. Às 8h, acordado o Phil, este fez uma mistela de café que me deu a provar mas que tive de deitar metade fora pois aquilo em nada ajudava a reconfortar o meu estômago, aproveitando para comer umas bolachas de água e sal barradas com um pouco de manteiga, que em boa hora tinha trazido para bordo, pois estava praticamente em jejum.
Então lá me fui deitar, pois teria as próximas quatro horas para tentar dormir, o que assim fiz.
Às 12h sou então acordado pelo Phil para novo turno de vigia de quatro horas, mas aqui já bem dormido, mesmo com o permanente chocalhar de panelas, tachos, púcaros, garrafas e demais sons consequência do forte baloiçar da casca de noz.
Durante a vigia do Phil das 8 às 12, este teve de manobrar por causa da tal embarcação que eu tinha avistado e que era uma embarcação em faina de pesca do arrasto, pois lembro-me de ter acordado com o VHF a comunicar para que nos desviássemos da sua rota, como manda o regulamento de segurança.
Também o vento tinha rodado um pouco para Oeste e o Phil tinha alterado o nosso rumo agora mais para Sul, deixando para trás, aí pelas 10h, o rumo Oeste e até Noroeste que tínhamos sido obrigados a tomar até ali.
Quanto à Madeira, ainda estava quase à mesma distância de quando partimos de Sines. E já tínhamos gasto quase 24 horas a navegar.
O mar continuava forte mas muito melhor do que antes, e o turno de vigia das 12 às 16 já o passei bem melhor, com toda a tenção às velas, ao vento, a ver se avistava algum navio no horizonte e a olhar quase constantemente para o GPS e a indicação da velocidade de superfície na sonda.
A casca de noz Deep Blue, barco dos anos 60 que teve diversos donos antes do Phil o ter adquirido a baixo preço em 2004, tendo-o preparado e reparado por completo durante três anos incluindo a montagem de um outro motor, de dois cilindros e 17 cv de potência, lá se ia movendo ora com balanços mais suaves ora com balanços mais fortes conforme a ondulação.
Efectuadas diversas alterações nas velas pelo Phil a que eu lá ia ajudando como podia, ora puxando um cabo, ora largando outro, muitas das vezes sem perceber o que ele queria, o que o enfurecia momentaneamente, o melhor que se conseguia era navegar a uma velocidade entre os 3 e os 4 nós, por vezes menos.
Durante o dia, várias vezes se içaram e baixaram a genôa ou a jib tentando obter melhor velocidade, mas o vento apenas permitia navegarmos entre os 3.8 e os 4.5 nós.
Lá pelas 19h, o Phil abriu umas latas de comida e fez uma espécie de jantar, mas eu disse-lhe que não iria comer nada pois ainda não estava completamente refeito e nem fumar me apetecia, pelo que decidi manter-me alimentado apenas bebendo água da marina de Sines que já por si tem um gosto nada agradável e à qual ainda terá sido adicionado algum hipóclorito preventivo, e bolachas de água e sal ou então “short cakes”.
Aliás, qualquer coisa seria preferível àquelas mistelas americanas enlatadas em latas cobertas de oxidação ou às porções caseiras liofilizadas e em vácuo, a que o Phil juntava arroz branco acabado de cozinhar para dar algum aquecimento ao repasto, conferindo um aspecto nada apetecível.
Aí pelas 20:30 fui descansar pois novo quarto de vigia me aguardava às 2 da manhã. O enjoo no exterior do barco já não me atormentava, mas ainda tinha problemas de cada vez que entrava no interior para me ir deitar. Tinha de o fazer o mais rapidamente possível, pois trinta segundos sem estar na horizontal eram o suficiente para me aparecer o vómito.
Dormidas as horas que me estavam destinadas, às 02h fui acordado pelo Phil e começou nova vigia de 6 horas.
Estávamos a cerca de 400 milhas da Ilha de Porto Santo, no arquipélago da Madeira, mas agora já num rumo mais para SW, ou seja, em direcção ao nosso destino, com vento a soprar dos quadrantes Norte.
Ao pôr do sol, por precaução, o Phil baixava a vela principal cerca de ¼, reduzindo assim a probabilidade do Deep Blue entrar em velocidades superiores aos 4.5 a 5 nós, o que já tinha dado maus resultados aquando da travessia das Caraíbas para os Açores, precavendo-se assim para o caso do vento aumentar de força durante a noite, sendo que a manobra do velame seria muito mais arriscada à noite e com vento forte, ou mesmo se ocorresse enquanto dormia.
Tirando os constantes encontrões contra as laterais da entrada para o interior do Deep Blue, pois a “cadeira” do posto de comando era o primeiro degrau da escada de acesso ao interior, a noite passou-se bem sem nada no horizonte visual para além do mar com as suas ondas suaves a passarem a meu lado, a escuridão oceânica de vez em quando rasgada pela abertura entre nuvens, e alguma água que por vezes entrava à ré da embarcação quando esta afundava um pouco em simultâneo com a chegada da crista de alguma onda mais atrevida, água esta que rapidamente era escoada pelas aberturas existentes no poço de ré. De vez em quando tinha de me levantar para aliviar as costelas doridas dos embates frequentes.
Às 8 horas da manhã lá estava eu a acordar o “Capitain Phil”.




08 Out 2009

Acordado às 02h, ocupei o posto de vigia e navegação que era simplesmente no assento do degrau superior da escada de acesso à cabine. Em frente os dois instrumentos de navegação: uma sonda com indicação da velocidade de superfície e um GPS pequeno, e logo abaixo, o rádio VHF sempre em canal 16.
Debaixo do resguardo em madeira acrescentado à embarcação, tipo cabine aberta atrás, temos os vidros em frente com o limpa pára-brisas manual e atrás o poço onde está a cana do leme ligada a um sistema de corrente metálica de elos que se liga, em cada extremidade, a um cabo fino que está fixo ao sistema automático de navegação montado à popa denominado Wind Pilot, cujo funcionamento permite manter o rumo previamente ajustado, fazendo as correcções “on time” conforme bate o vento e a ondulação obriga a variar a proa. Este é o sistema automático básico que evita a manobra manual. Obviamente que este sistema obriga a correcções manuais sempre que o vento muda de direcção, além de que a variabilidade constante do vento associado à ondulação do momento, leva a que a proa da embarcação esteja em permanente mudança, ora mais para estibordo, ora mais para bombordo, sendo assim que o rumo acaba por ser o pré-definido como resultado da média das variações da proa.




Agora bem dormido, mastigadas mais umas bolachas de água e sal barradas com manteiga e vários copos de água bebidos, ali estava no meu posto de vigia olhando o mar numa noite pouco estrelada.
Cedo me apercebi de que deveríamos estar a navegar mais uma vez nalgum corredor de tráfego marítimo, pois até às 08 horas foram várias as luzes avistadas, indicação de embarcações ora a navegar para Norte ora para Sul. Com a experiência adquirida das últimas 24 horas de mar, os meus cálculos visuais davam-me confiança quanto a perceber se haveria perigo ou não. Já conhecedor da base tempo quando se navega em alto mar numa casca de noz como era o Deep Blue, não senti qualquer necessidade de acordar o Phil ao longo das suas merecidas 6 horas de descanso.
Só que, também cedo, me apercebi que as 6 horas do meu quarto de vigia iriam ser uma estafa para as costelas e um cansaço nos braços, pois o improvisado assento de comando é ladeado pelas ombreiras da abertura de acesso ao interior. Com um vento soprando dos quadrantes Norte, um rumo orientado para SW, uma corrente de Sul e vagas de 1,5 a 2,5 mt vindas de NE, obrigava o Deep Blue a fortes e incessantes baloiços de um lado para o outro, originando que as minhas costelas iam batendo alternadamente ora à direita ora à esquerda, o que me obrigou várias vezes a dar-lhes algum descanso pondo-me de pé. Assim até às 08h fui massacrado pelo Deep Blue que, ora surfando na onda ora metendo alguma água pela popa quando a sua inclinação ia no mesmo sentido da aproximação da vaga pela ré, lá se ia aguentando naquela noite de mar.
A velocidade de superfície variava entre os 4 e os 5.5 nós, havendo momentos em que se podia ler 6.5 nós quando surfávamos alguma onda mais alta.
Tirando os constantes encontrões, a noite passou-se bem e às 08 horas do 3º dia lá estava eu a acordar o Capitain Phil.
Acordado o Phil, a sua rotina matinal levava-o a fazer uma litrada ora de chá ora de café instântaneo que bebericava adicionando ao café algum leite em pó. Comida de manhã era coisa rara para este “lobo do mar”. Café com leite em pó e vários cigarros eram o seu alimento matinal.
Como eu estava bem descansado e agora o Deep Blue a navegar bem e com mar mais calmo, passei o dia a trocarmos informações e ensinamentos, colaborando nas diversas manobras de mudança de velas para aproveitarmos melhor o vento que soprava fraco.
Lá pelas 5 ou 6 da tarde o Phil fez o jantar, ou algo parecido com isso: uma pequena panela de pressão onde cozeu arroz branco e um pouco de água adicionada a uma das “self made” embalagens de comida em vácuo. Já perfeitamente recomposto, acedi a também jantar mas pedi-lhe para me dar o arroz à parte, pois à moda dele aquilo mais parecia uma mistela, o arroz todo misturado com o resto, tipo uma papa morna. Soube-me bem, ainda por cima acompanhado por uma mini. Após lavar a loiça no mar, coisa aliás assumidamente aceite por mim desde o início, e dele a arrumar no lugar do costume, o Phil foi descansar um pouco visto que entrava de quarto às 20h.
Entrava-se assim, ao terceiro dia de viagem, na rotina normal que se estenderia até ao fim da viagem.
Como sempre se tinha feito, a cada 6 horas certas navegadas marcávamos em folha própria o ponto onde estávamos, lidas a longitude e latitude no GPS, marcando-se o rumo seguido desde o ponto das anteriores 6 h até ali, calculando-se a velocidade verdadeira resultante e as milhas navegadas, apontando-se também a pressão atmosférica lida no barómetro de bordo.
A cada 24 horas, ou seja, todos os dias às 08h, era marcado na carta oceânica a rota desde as ultimas 24 horas até ali, apontando-se o rumo resultante e a velocidade verdadeira obtida.
Às 02h lá estava eu de novo no meu próximo quarto de vigia.







09 Out 2009

A noite foi calmíssima, com mar suave e vento fraco, navegando entre os 4 e os 4.5 nós.
Às 08h tudo estava perfeito e nós a cerca de 300 milhas de Porto Santo.
As rotinas diárias mantiveram-se, ou seja, marcações às 08h, 14h, 20h e 02h, assim como várias alterações de velame na tentativa de optimizarmos o vento fraco com a velocidade maior possível na tentativa de atingirmos o objectivo dos 5 nós.
Até lançámos o balão à proa, mas o vento fraco pouco ajudava, donde içou-se ora a jib ora a genôa e mudámos de bordo algumas vezes, tendo-se finalmente conseguido optimizar até uma velocidade da ordem dos 4.3 a 4.5 nós. O vento não dava para mais e mantinha-se dos quadrantes Norte, donde obtivemos a optimização com a vela principal por través de estibordo e a genôa por través de bombordo.
Lá pelas 19h o Phil preparou a refeição que consistiu em carne enlatada tipo fiambre embebido em gordura que estendemos em fatias por cima de folhas redondas de pão tipo marroquino, vindo em embalagens de plástico, barrado com manteiga de amendoim, mostarda picante e batata frita palha. Aquilo não me soube lá muito bem, mas sempre quebrava a rotina das água e sal e short-cakes.
Navegávamos agora ao rumo 238º em direcção à Ilha de Porto Santo, com vento fraco dos quadrantes Norte, força 3 ou 4, mar suave e bonançoso.
Às 02h inicio meu quarto de vigia.


10 Out 2009

Estamos no 5º dia da odisseia.
São cinco dias sem tomar banho nem passar água doce pela cara. As calças já vão ficando fedorentas com tanta maresia e humidade permanente. Normalmente tenho mudado de tshirt a cada 2 dias, pois são 24 horas por dia sem tirar roupa.
O Deep Blue tem apenas uma sanita minúscula e um lavatório que mais parece uma tigela de alumínio para sopa, mas o permanente balanço desta casca de noz por certo não me permitiria conseguir levar à cara qualquer quantidade de água doce. Felizmente que um almirante de alto-mar como eu está preparado para as condições mais adversas, donde liguei o meu interruptor biológico para um atraso de vários dias, pois a necessidade de recorrer à sanita naquele espaço tão diminuto e com o permanente baloiçar vigoroso da casca de amendoim apresentava um elevado risco de bater com a cabeça num lado e no outro, além de que, embora nos últimos dois dias já me parecia que não enjoava quando descia aos aposentos, nada me garantia que se me enfiasse naquele cubículo as coisas não teriam forte probabilidade de mudarem para pior.
Assim, sem banho por inexistência de chuveiro e sem usar a sanita pelas razões descritas, se iam passando os dias e as noites, bebericando a água da marina de Sines e mastigando bolachas de água e sal ou short-cakes, por vezes com uma prova da comida do Phil.
Quanto aos aposentos, definem-se como tendo duas camas tipo sofá cada uma de cada lado do corredor que, ao meio, vem desde a escada de acesso ao deck e corre até ao espaço à proa e à chamada casa de banho. Este espaço à proa está destinado a arrumos, velas e tudo o resto. As denominadas camas têm pouco mais que meio-metro de largo, mas são suficientemente compridas para permitir estender as pernas. Mas como uma destas camas servia para levar os coletes salva-vidas, casacos, sacos-cama e outras tralhas, restava a outra disponível para partilharmos. Assim, cedo definimos que o tempo de descanso de cada um seria na mesma tarimba, onde o Phil montou uma tábua na lateral que sempre evitava que qualquer inclinação mais forte e brusca nos levasse a cair no chão.
Uma manta, possivelmente que não vê água há muitos meses, era o lençol da tarimba. Como haviam duas almofadas, cujas fronhas também não viam água nem sabão há sei lá quantos meses, cedo optei por usar sempre a mesma, tendo o cuidado de a trocar sempre que me levantava, pois também cedo me apercebi que o Phil tem um comportamento como nos habituámos a ver nos filmes de cowboys de antigamente. Assim, cada um de nós ia descansar completamente vestidos e calçados. Fez-me lembrar a semana de campo quando do serviço militar.
Aliás, o conhecimento da sua vida e raízes aos poucos desvendado pela observação das suas atitudes e pelas conversas desenroladas aos poucos, homem do Colorado, agricultor americano das montanhas e planícies desertas, justifica os seus hábitos de higiene e preocupação diários, ou seja, aos velhos costumes dos que ocuparam aquela parte do continente americano, onde água para higiene diária e alimentação são coisas de somenos importância, vivendo-se com o que há. Por isso cedo compreendi quando ele me disse que tinha a bordo cerca de 50 litros de água doce da marina de Sines, e isto dito de uma forma como que parecendo ser uma enormidade.
Claro que a lavagem das malgas, talheres, panelas e copos, tudo de alumínio, após cada refeição era feito por mim na borda da embarcação com água corrente do mar, apenas passando em simultâneo um esfregão esponja, ou o que restava dele, embebido em detergente líquido. Depois ele enxugava-os com um pano (lavado?!) e arrumava a loiça para a próxima utilização. Para melhor entendimento, há que referir que o Phil é um genuíno americano ao velho estilo dos states, onde levando uma vida de austeridade até à sua reforma, decidiu tornar-se navegador dos mares, donde comprou um barquito barato, adaptou-o a si, e faz uma utilização solitária com a maior economia possível. A sua mulher, ainda trabalhadora lá na cidade, não é pessoa muito dada a estas coisas do mar e ele aproveita da forma mais económica possível para viajar pelo mundo, coisa impossível de fazer de outra forma. Lá para Abril ou Maio espera regressar à sua terra. Talvez a sua mulher vá ter com ele às Caraíbas e depois fazem o regresso aos EUA. O futuro e o mar o dirá.
Bem, de vigia das 2h às 8h, tudo normal e calmo, de vez em quando com outras embarcações que apareciam e desapareciam no horizonte escuro da noite, apenas eu de olhos abertos numa minúscula casca de noz, no meio do oceano atlântico, estrelas e lua entre nuvens altas, o mar negro em toda a volta, e as duas luzes de navegação ali ao lado sem me baterem nos olhos, a estibordo a verde e a bombordo a vermelha. Assim ali estávamos sós em pleno atlântico, a muitas milhas de terra ou de vivalma. Felizmente sós e não “SOS” no Atlântico!
Aliás, e nisso fui muito rigoroso na apreciação inicial antes de tomar a decisão de me fazer à aventura, cedo fiquei bem impressionado com as rigorosas medidas e cuidados que o Phil impõe par uma navegação segura e atenta.
Antes de partirmos de Sines o Phil deu-me a conhecer todos os equipamentos de socorro e segurança, como funcionam e onde estão. Coletes, arnês para saída no tombadilho, EPIRB, foguetes válidos, balsa, extintores, VHF em boas condições, motor em perfeito estado de funcionamento, combustível, alimentos, água, velas de substituição e a existência de três GPS, sendo um de bordo fixo e os outros dois portáteis bem como pilhas carregadas para utilização nestes, sendo um deles estanque e colocado na mala de emergência, e o outro metido num frasco rolhado assim como as pilhas colocado noutro local. Tudo isto associado à confiança que ele me inspirou pelo conhecimento e prática de mais de oito mil milhas navegadas, não me fez hesitar em partir nesta viagem e aventura.
O resto deste 5º dia de viagem foi suave, embora a substituição dum dos cabos de ligação do sistema automático do Wind Pilot à cana do leme, por estar ferido e poder partir-se a qualquer momento, obrigou a perdermos algum tempo pois desviámo-nos do rumo e o sistema portátil de piloto automático que o Phil montou para o manter enquanto se procedia à substituição, parece-me ser bom apenas para navegar numa banheira ou num lago.
O jantar foi qualquer coisa como feijões de lata com bocados de salsicha com milho e arroz branco. Foi a melhor refeição a bordo. Soube-me muito bem.
Após as rotinas do costume, ponto às 20h e ajustes de velas, fui descansar para voltar ao meu quarto de vigia às 02h do próximo dia.


11 Out 2009

Desde o segundo dia de viagem que estávamos no bom rumo, fazendo entre 18 e 25 milhas a cada 6 horas. Assim, tudo perfeito neste quarto de vigia das 02 às 08h.
O resto do dia foi normal, apenas manobrando o velame para obtermos o melhor rendimento.
Após comermos umas coisas, sempre ao estilo americano dos enlatados, fui descansar lá pelas 21h pois de novo voltaria ao meu quarto de vigia às 02h.
Estávamos agora a cerca de 50 milhas da ilha de Porto Santo e pelas minhas contas, função da velocidade verdadeira a que navegávamos e consultando a carta náutica da ilha, disse ao Phil que entre as 23 e as 24 horas estaríamos a avistar a luz do farol de Porto Santo, pois este tem um alcance nominal de 29 milhas, com 3 flashes com período de 15 segundos.
Já antes eu e o Phil tínhamos decidido rizar a vela principal para reduzirmos um pouco a velocidade e assim chegarmos com a marina de Porto Santo à vista aí pelas 9 ou 10h da manhã, pois achávamos prudente fazer a aproximação à vista e não de noite, pois desconhecíamos a área. Assim, e para evitar que tivéssemos de pairar aguardando o nascer do Sol e a hora a que começa a funcionar a marina, iríamos reduzir a velocidade.
Quando voltei ao meu turno às 02h já avistávamos a sudeste um leve clarão ao longe da ilha da Madeira e era visível a luz do farol de Porto Santo pela proa.
Estava tudo como previsto.

12 Out 2009

Após algum tempo, confirmei que era mesmo o farol de Porto Santo, 3 flashes com período de 15 segundos.
Verifiquei o azimute à luz do farol ao longe e confirmei que estávamos no rumo correcto, pois a norte da ilha existem dois pequenos ilhéus que teríamos de passar a mais de 2 milhas por Este. Tudo perfeito e controlado.
Às 08h o Phil acordou, fez o seu café e os dois mantivemo-nos em navegação.
Aí pelas 10h, com a marina de Porto Santo à vista, baixámos as velas, retirou-se o Wind Pilot, arrumámos devidamente os vários cabos, prepararam-se os cabos de amarração e passámos a navegar a motor.
Estaríamos a cerca de 2 ou 3 milhas da entrada da marina e o motor do Deep Blue lá o ia empurrando como podia, devagar pois os cerca de 17 cavalos não davam para mais. E aos soluços, pois o filtro do gasóleo estava sujo e a cada 10 minutos o Phil tinha de dar manualmente à bomba para que o combustível fosse chegando ao motor. Esta operação, embora simples, obrigava de cada vez à paragem do motor e entretanto a perdermos a proa, corrigida assim que o motor voltava a trabalhar.
Mais perto, contactei via VHF: “Marina de Porto Santo, Marina de Porto Santo. Aqui veleiro Deep Blue, Deep Blue. Escuto”. De imediato a resposta no canal 16 pedindo para irmos a canal 9. Finalmente estava quase a chegar a terra firme.
Perguntei se tinham lugar vago de amarração para um veleiro de 29 pés e que estávamos a cerca de 1 milha, ao que a resposta veio confirmando que havia lugar e que contactássemos de novo quando entrássemos na marina, pois alguém estaria à nossa espera para indicar onde acostar o Deep Blue.
Eram 13:10h locais quando passei o cabo da proa ao funcionário da marina que nos aguardava. Defensas a estibordo, a embarcação foi atracada.
Tínhamos chegado a Porto Santo após largarmos de Sines precisamente há 6 dias e 25 minutos! Seis dias sem duche, sem mudar de roupa ou sapatos, urinando sentado para o boião de plástico com tampa de enroscar que o Phil me tinha destinado, pois tínhamos de o fazer cada um para o seu boião e depois vir despejar o respectivo pela borda fora, pois doutra forma nesta embarcação baloiçante e dançarina, por certo parte do dito cujo ficaria dentro do barco e a possibilidade de cairmos ao mar era quase certa.
Foram seis dias vertendo líquido sentado para um boião de plástico e foram seis dias em que nem visitei a pomposamente denominada casa de banho, pois o risco de ficar mal disposto naquele cubículo para além dos encontrões a que seria obrigado levaram-me a alterar o ritmo biológico normal, o que não apresentou nenhum sintoma de indisposição pois a minha propensão para o “todo o terreno” ficou mais uma vez demonstrada quando as condições a tal obrigam. Porto Santo estaria à altura de receber toda essa carga acumulada, basicamente de bolachas de água e sal. Fantástico!
Uma aventura que terminava ali, inesquecível para este marinheiro agora com cerca de 520 milhas navegadas no Oceano Atlântico, pois de Sines a Porto Santo são cerca de 450 milhas, mas os primeiros dias em rumo para Oeste levou-nos a mais do que se fizéssemos rumo directo.
Uma vez com pé em terra firme, 5 ou 6 belas imperiais fresquinhas e deliciosas de cerveja Coral, a cerveja da Madeira, tomadas de imediato no bar da marina, acabaram com a sensação de andar aos tombos como se ainda no mar. A felicidade de ter cumprido mais uma etapa desta vida, o prazer de ter feito mais um amigo, o Capitão Phil, e a alegria por estar em terra firme a descobrir e conhecer durante os próximos quatro dias com regresso a Lisboa por avião, sabendo que dentro em pouco estaria num quarto de pensão, Residencial Zarco, tomando um maravilhoso duche e mudando de roupa, deu-me uma sensação de felicidade imensa e mais uma vez disse para comigo:
“Gracias à la vida que me hay dado tanto!”








Luis Patta,

Patrão de Alto Mar
e singelo aventureiro oceânico !


terça-feira, 18 de agosto de 2009

E POR MARES NUNCA DANTES NAVEGADOS…


Assim é!

Meteram-se alguns navegadores já com passado glorioso nestas coisas do mar, alguns apenas com o glorioso passado de ver o mar ao longe, em tarefa tamanha que apenas a determinação e o desespero os levou a manterem-se firmes no seu posto de estudante. E não foi cousa simples, esta de quererem ser Patrões de Alto Mar!

Largos meses de aprendizagem transformados em tormentos tamanhos, ora pelas horas que não batiam certas, ora pelas navegações de secretária que levaram a discussões de onde vinha o norte, ora mesmo o tentar ver estrelas ao meio-dia e o sol à meia-noite, assim se foram passando momentos de prazenteiro convívio alternados com outros de tremenda confusão.

Se, até atingir a maioridade imposta por lei e garantida com as anteriores obtenções de graduados em Patrão Local e de Costa, as coisas tinham sido atribuladas, nada fazia prever o que se avizinhava tomada a decisão de avançar para a cátedra em Patrão de Alto Mar!

Tudo começou num belo fim de tarde com a marinhagem pronta para lançar amarras e disposta a chegar a bom porto. Só que o que parecia fácil, cedo se tornou complicado.
Primeiro foram as contas! Pois, as contas. Habituados à tão genuína tabuada dos nove, logo se deram conta que para ir mais além haveria que entender logaritmos e outros que tais, pois a terrinha é esférica e nela está o nosso amado mar. Triângulos esféricos?!
Claro que o ensino nunca foi grande coisa cá pelo burgo, mas que raio, um triângulo é um triângulo, e se para decorarmos que tinha três ângulos e os respectivos lados, muitas reguadas se fizeram ouvir, agora vêm-nos com um esférico!? Começou a confusão e acima de tudo, a imaginação a trabalhar. Vá lá que as máquinas dos chinas deram uma boa ajuda, e as tabelas várias ali estavam para empurrar para o resultado final. Não foi fácil, mas com quadros e mais quadros, vídeos de alto gabarito e alguma sorte, lá se foi apanhando a coisa.

Mal refeitos da tormenta, já o que restava dos cérebros salgados foram inundados com esta coisa do tempo! Sim, do tempo pois! Não, não é se está de chuva ou se está sol. É que se antigamente nossos antepassados tinham a ampulheta, agora temos os cronómetros e os sinais horários com relógios atómicos, imaginem! Enquanto os neurónios davam voltas de fiel, eram apresentados os UTC, os Hmg, os Hfus, os Hcivil, os H´s todos e mais algum que alguns iam descobrindo na sua santa ignorância. Aqui foi o desastre total. Marinheiros menos avisados chegaram a alterar os seus relógios levando a tremendos sururús com as respectivas, pois o almoço sempre foi ao início da tarde e o jantar lá para mais tarde. Qual quê! “ Atão Maria, almoçamos por Hfus ou quando forem 1 UTC? Hem ?!”. A coisa pôs-se brava e diga-se, ainda hoje o tempo nunca mais foi o que era.

Mal sabiam os futuros alto marujos que o pior estava para vir, ou melhor, para acontecer. E aconteceu ao crepúsculo! Matutino e vespertino, assim mesmo. Se até aqui estrelas eram estrelas que serviam para os poetas embalarem as dores de alma, o sol para o pessoal ir a banhos e os planetas essas coisas que servem para levar os putos ao planetário, a partir de certo momento tudo se alterou! As estrelas, o sol e os outros planetas eram, nem mais nem menos do que rectas!! De altura, rezam os livros e a paciência do Cmdt. Botelho que várias vezes pensou recorrer a algum psiquiatra mais amigo. O desastre era iminente, embora as nuvens e o vento fossem de feição prevendo bonança em vez de tormenta forte. “ Mas que raio de recta é essa? Recta de altura?! Ora, ora, meu amigo.
Para mim, e foi a professora primária que o demonstrou, recta é aquela coisa que começa onde um homem quer e acaba sabe-se lá onde!”. Mas aos poucos, com a determinação que levou os grandes Pedros, Vascos e outros ilustres antepassados navegadores a terras que a terra desconhecia, também os pobres graduados em de costa lá se foram habituando à ideia que aquilo era mesmo assim. E olhando para estrelas que apenas apareciam no papel e para o sol já quando a lua ia alta, as rectas, ou o que delas restava, apareciam nos desenhos! Sim, que rectas como estas não é qualquer um que as tem!

Enfim, cabos e baixios foram passando, alguns com farolagem e balizagem da zona A, outros com os ditos mais para as bandas da zona Z, lá se passaram os ditos meses até à prova final. Bem, prova final mesmo final não é bem o termo, mais tipo exame obrigatório, que o final ainda está para vir, ou não fossem Patrões de Alto Mar.
Mas o certo, e conta a história que aqui testemunho, é que aos dias 25 e 26 de um Julho de 2009 apareceu um ilustre até então desconhecido Cmdt. Frade carregado com as excelsas provas de exame. E foi um ver se te avias, marinhagem, que para se obter a carta de condução em alto mar há que prestar provas…e que provas!
Se é verdade que alguns mais afoitos pensavam que as provas seriam de tintos e brancos, maduros ou verdes, pois estavam redondamente enganados. Numa coisa não se enganaram: quanto às cores! Sim, que não houve nenhum patrão de costa que por ali tenha estado que, apenas em várias longas horas, não tenha passado por todas as cores do tão apetecido liquido, inclusivé até de palhete! Reza a história até que um tal marujo de terra tão colorido andava com essas coisas de músicas do outro mundo que por pouco não almariou com tanta navegação de prova!

E se por mares nunca dantes navegados por estes que ali estiveram, ao mar há que ir e voltar pois afinal ainda não somos peixes, e a bom porto chegaram oito dos valorosos ex-patrões de costa e mais algum teria chegado, pois a arte e o engenho a tal obrigaria não fosse de uma vicissitude momentânea acometido.

Bem, o certo é que com todo o saber foram instituídos em Patrões de Alto Mar, distinção que premeia os valorosos e destemidos homens do mar (…alguns mais de meia praia..!), sendo a mais alta graduação para navegadores de embarcações de recreio que existe neste cantinho de Camões, e talvez em todo o mundo, direi eu sem saber muito bem o que digo!
Mas, e há sempre um mas, se as provas finais de exame foram a 25 e 26 de Julho, outra prova se apresentou aos ditos e acompanhantes, pois a 15 de Agosto, ainda a procissão ia no adro, já os recentes graduados em PAM´s se reuniam em afoita navegação de terra à vista de sardinhas, leitão, polvos e saladas, tintos, cervejas e outras guloseimas que, em indiscreta homenagem aos valorosos, permitiu a entrega dos diplomas garbosamente ganhos.
E não pensem que esta prova foi mais fácil! A atestá-lo ficaram várias dezenas de sardinhas que não conseguiram passar das caixas para o assador, assim como vários litros do dito cujo que em boa hora deram faces rosadas aos examinandos e examinandas presentes!

Assim esta foi mais uma das provas a que se sujeitaram os recentes Patrões de Alto Mar, na certeza de que muitas mais hão-de vir! Até porque navegar é preciso….!

Ao Cmdt. Botelho um bem haja pela sua intrépida paciência para aturar durante tanto tempo uns quantos que da matemática faziam uma cebola e do relógio um cuco, já para não falar das ilustres rectas meia curvas!

Ao Cmdt. Frade, que de ilustre desconhecido passou a forte amigo, tendo aqui em Sines sempre um porto de abrigo para lhe dar as boas vindas!

Ao Vítor Coelho, agora Patrão de Alto Mar e grande PdP (Patrão de Petiscos) que proporcionou a ultima das provas e é um exemplo, tal como outros, que só é PAM quem nasceu para isso!
Ao Eduardo Miguens, agora Patrão de Alto Mar, que com a sapiência informática permitiu que muitos vídeos de estudo chegassem aos tripulantes e obrasse um diploma de fazer inveja à Royal Academy of Marine Navigation!
Ao José Chainho, agora Patrão de Alto Mar, também um exemplo de determinação e bravura nas andanças e lides do mar e do estudo, para além das agruras da vida!
Ao Alves Fura, agora Patrão de Alto Mar, a quem milhares de kilómetros feitos em terra para assistir às aulas serão, por certo, perpetuados em estátua de sextante na mão a erguer em Alcácer do Sal, terra que um dia será história com seus feitos de marinhagem!
Ao João Morgado, agora Patrão de Alto Mar, que passou de velejador mais ou menos a velejador de alto gabarito, e que merecidamente ainda há-de ver uma estátua no IST com o seu indicador em riste apontando os mares do além!
Ao Miguel Machado, agora Patrão de Alto Mar, que intrépido e determinado, nunca abandonou as horas, mesmo nos piores momentos, e em breve se fará aos novos mares como comandante da sua canoa e tendo como patrão a sua Patroa também ela grande navegadora!
Ao Bulhão Pato, agora Patrão de Alto Mar, a quem o sextante sempre oleado marcará a posição correcta em qualquer longitude por onde a sua recente embarcação irá navegar, com a preciosa e indispensável ajuda da Patroa que a bordo a levará a bom porto!
Ao Manuel Branco, ainda não oficial mas já por mérito próprio Patrão de Alto Mar, a quem a poesia sempre acompanha dando alento aos que dele se abeiram e fazendo do “Poeta” um farol de bom amigo e companheiro!
E a todos os que nesta caminhada me deram o privilégio de ser companha e aqui não mencionei, com especial menção ao Cmdt. Carvalho, garboso Capitão do bacalhau que, tendo como tal sido um glorioso continuador das lides marítimas de meu avô Pata da frota de bacalhoeiros da Figueira da Foz em tempos dos inícios do sec. XX, é nos tempos de hoje também um exemplo de homem do mar!


Pois assim termino esta breve história alegro-marítima para que outros vindouros possam testemunhar o SER Patrão de Alto Mar, e os que já o são aqui se revejam e continuem a fazer parte desta companha alegre e unida pelo gosto e respeito a que o mar nos obriga!


Luís Patta, agora Patrão de Alto Mar!...(mais de terra do que do mar..pois ainda não sei trabalhar com o GPS!!).

domingo, 16 de agosto de 2009

A consagração dos Patrões e a Fé dos marujos





Em dia de procissão, os novos Patrões de Alto Mar realizaram almoço de confraternização no porto de pesca de sines. Leitão de javali assado na braza, sardinhas e salada de polvo regados com bom tinto. Depois, a entrega dos diplomas aos Patrões. Agradecimentos ao Patrão Vitor Coelho pela excelente organização e logistica.

Pena foi que o Patrão Bulhão Pato e os Cmtes. Carvalho e Frade não pudessem comparecer. Não faltarão oportunidades e já se fala em sardinhada por ocasião da entrega das cartas que estão a ultimar no IPTM...

Depois do almoço, embarcamos para acompanhar a procissão em honra de Nª Sra. das Salvas.

Ficam as fotos para recordar os belos momentos passados no nosso habitat!





PM




sexta-feira, 31 de julho de 2009

Cá estão os novos Patrões de Alto Mar

As boas noticias acabam por chegar...



Alguns meses de formação, outros de meditação, outros de revisões... marcação de exames, semanas finais de estudo, em solo e acompanhado, e finalmente o grande dia, 25 de Julho provas escritas, questões abordadas durante horas de nervosismo e estóica resistência, acertadas respostas outras nem por isso, erros alguns, enfim lá se apuraram para a prática de mar.



Dia 26 de Julho, é tempo de prova prática final, o momento foi registado, não era para menos, e lá estão eles, já se sentindo navegantes de todos os mares deste mundo.


O Júri continuava atento.


Tratar de saber se a embarcação adoptada para o efeito estava em condições de segurança para navegar as proximidades do Porto de Sines, verificar a localização dos meios de emergência, reconhecer a instrumentação e equipamentos diversos disponíveis foi inicio da prova matinal.



















Alguns aproveitam para meditar ao sabor da suave ondulação, enquanto se vão tirando alturas ao sol, ante meridianas e meridianas...





























Mas o Júri está lá atento....




Entretanto alguém se interroga... será que a hora da mediana está conforme???





Parece que sim, tudo em perfeita concordância, já somos sabedores destes e outros segredos da navegação, conclui-se com satisfação.









Desembarque, fim das longas provas, "retrato de família"...




Momentos depois tratar do aconchego ao estômago, com distribuição dos competentes certificados aos felizes patrões, antes porém, discurso de circunstância do mestre...



Sorrisos de satisfação:






Alguma euforia....







Moderação de uns, mas afinal, missão cumprida, objectivo alcançado dos demais...


Que os bons ventos e agradáveis navegações seja o futuro de todos estes "jovens"....

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Em breve teremos novidades.... boas!!







Aguardem pacientemente pela publicação de mais material...!

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

“O Mar e o Porto na objectiva do Vasco”


É já uma referência na arte fotográfica, Vasco Manuel Pitschieller, colabora com o nosso blog, cedendo para publicação as belissimas imagens que seleccionei.

Porto de Recreio



Ondas









Por do Sol










Uma vista, portais ao longe

Espera ao largo


Aos apreciadores recomenda-se o "Olho Vivo", blog do autor destes e de muitos mais belos instantâneos.





quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Navio “ABIS ALBUFEIRA” com viagem inaugural em Sines

Carlos Botelho, nosso prezado mestre, em representação da APS, apresenta-se muito bem...